quarta-feira, 24 de setembro de 2014

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

País da Hipocrisia!? Pague a série B!?



Chega de hipocrisia: "viradas de mesa" foram apoiadas por todos os grandes clubes brasileiros.

A provocação feita ao Fluminense pelo presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, durante a festa de premiação da CBF aos destaques do Campeonato Brasileiro 2010 não foi apenas um discurso de mau perdedor. Foi também um exemplo de hipocrisia. Ao afirmar que seu clube retornou à primeira divisão pela porta da frente, aludindo à canetada que conduziu o Flu de volta à primeira divisão há dez anos, o dirigente alvinegro deixa de contextualizar os fatos para criar uma divisão moral que simplesmente não existe!

Houve um período em que virar a mesa para beneficiar os grandes clubes era algo tão comum que parecia não valer a pena se indignar. Todo mundo sabia que, no caso da queda de um deles, o regulamento seria modificado da maneira que fosse necessária para beneficiá-lo. Aconteceu quando o Grêmio foi rebaixado, em 1991. No ano seguinte, a Segundona promoveu 12 (!) times, uma aberração. E em 1993, para evitar que o "problema" se repetisse, dividiram o campeonato em quatro grupos, sendo que apenas dois deles previam rebaixamento. Nos outros dois, obviamente, estavam os grandes.

O Fluminense deveria disputar a segunda divisão em 1997 por cair dentro de campo em 1996, mas o caso de corrupção envolvendo Ivens Mendes, então chefe da Comissão Nacional de Arbitragem, foi usado como pretexto para cancelar o rebaixamento do clube das Laranjeiras e do Bragantino.

No Caso Ivens, gravações revelaram negociações com Mário Celso Petraglia, dirigente do Atlético-PR, e Alberto Dualib, do Corinthians, para financiamento de campanha política em troca de favores da arbitragem nos jogos. O famoso caso "um-zero-zero". Em um país de justiça mais séria, os dois clubes poderiam até ser rebaixados para a segunda divisão. Mas havia grandes no meio, e a punição desportiva não passou de uma dedução de cinco pontos ao Furacão no campeonato daquele ano.

O Flu foi rebaixado novamente e desta vez não houve cara de pau suficiente para repescá-lo. Assim, caiu para a segunda e depois para a terceira, que disputou em 1999, conquistando em campo o retorno à Série B. Até que explodiu o Caso Sandro Hiroshi, com o Gama contestando na justiça a reversão de resultados favoráveis ao São Paulo sob alegação de que o atacante (que posteriormente seria descoberto como "gato", atleta com idade adulterada) estava jogando em condição irregular. O time do Distrito Federal foi rebaixado, o que não aconteceria com a manutenção dos resultados do campo. Então, decidiu entrar na Justiça contra a CBF.

O desenrolar do processo deixou a Confederação impedida de organizar o Brasileirão de 2000. O Gama tinha o direito conquistado na justiça de disputar o campeonato da CBF, e ao mesmo tempo estava suspenso pela Fifa, que proíbe recursos na Justiça comum. Para que houvesse futebol no segundo semestre daquele ano, o Clube dos Treze foi autorizado a organizar a Copa João Havelange, um monstro de 116 times divididos em três divisões que se cruzariam nas fases finais. Critério técnico? Nenhum. Fluminense, Bahia, América-MG e Juventude, que não jogariam a primeira divisão do Brasileiro, foram incluídos.

Não satisfeito, o Gama voltou à Justiça para jogar o novo torneio, até que chegou-se a um acordo e o time verde tornou-se o 25º participante do "Módulo Azul", como ficou conhecido o grupo de elite daquele campeonato. Em 2001, quando a CBF voltou a organizar o campeonato, os rebaixamentos anteriores foram esquecidos e a Série A contou com 28 times, incluindo ainda Paraná e São Caetano (campeão e vice do Módulo Amarelo, a "segunda divisão") e o Botafogo de Ribeirão Preto. A Copa JH também inflenciou na nova Série B, que contou com times que não deveriam integrar a segunda divisão por mérito esportivo.

Em resumo: a virada de mesa que colocou o Fluminense na primeira divisão pela porta dos fundos foi um ato orquestrado pela união dos grandes clubes brasileiros. É um golpe do qual ninguém pode lavar as mãos.

Felizmente, nos anos seguintes o futebol brasileiro viveu um processo de amadurecimento que aceitou como normal a queda dos grandes, com a percepção de que o caminho mais digno é conquistar o direito de disputar a elite jogando futebol. Assim fizeram Palmeiras, Botafogo, Grêmio, Atlético-MG, Corinthians e Vasco. No entanto, não é uma questão de um clube ser mais especial que outro. Se o Corinthians fosse rebaixado nos anos 90, não jogaria a segunda divisão de jeito algum. Se o Fluminense caísse quando caiu o time do Parque São Jorge, jogaria a Série B inapelavelmente.

As viradas de mesa não serão esquecidas, mas os clubes beneficiados não têm de ficar marcados eternamente por elas. Pelo contrário: podem olhar para trás como um exemplo da sujeira que o torcedor deixou de aceitar calado.

Leonardo Bertozzi - ESPN

Nenhum comentário:

Postar um comentário